Wednesday, February 10, 2010

Etapa 16: Olveiroa - Finisterre 35 km (fim da linha)

07/06








Estava difícil dormir novamente. O ciclista que estava no quarto era outro roncador de primeira categoria.
Tentei com música e depois não teve jeito: tapa ouvidos.
Acordo às 7, é tarde, mas paciência. Preparo tudo rapidamente e quando são 7:30 vou tomar café e pegar as botas (que estavam secando) para ir embora. Todos já tinham partido.
Apenas encontro um casal de belgas. Saio finalmente às 8. Não estava chovendo e começo com boa velocidade. No primeiro bar vejo uma alemã que havia saído também no mesmo horário. Ela me parece simpática, pode ser uma companhia, tenho que dizer que estava precisando.
Ela segue na frente, mas a ultrapasso logo. Decido ir mais lentamente, quem sabe puxo uma conversa com ela.
Em certo momento encontro uma capela: Nossa Senhora das Neves. Tem muita neblina e a paisagem fica bem sugestiva.





No alto, caminho antes de Cee
Abaixo, Capela de Nossa Sra das Neves e finalmente o mar!

Afinal acabo conversando com ela sobre um belo cruzeiro que havia ao lado da igrejinha.
Começamos a caminhar juntos. Ela se chama Lizzy e não é de conversar muito. Consigo descobrir que é assistente social perto de Stuttgart. Trabalha com doentes mentais.
Falo sobre meu trabalho também. Noto que ela tem receio de se perder com as flechas do caminho e tento acalmar ela, pois às vezes é assim mesmo, tem que ficar muito atento para não perdê-las.
Começa uma chuva bem fina e a neblina continua forte e dando um clima bem interessante, pois não se via nada da paisagem.
Continuamos caminhando juntos quando de repente um grande cão surge do nada. O cachorro é muito simpático e logo depois chega o seu dono. Fiquei curioso que como num lugar tão ermo e com tanta neblina um homem viria a passear com o seu cachorro.
Imediatamente me lembrei do meu caro amigo Bernie, o cão peregrino de Tonho, dono de um bar em Castrojeriz (caminho francês) e que me deu a rara oportunidade de caminhar ao lado de um pastor alemão por mais de 18 km nos caminhos de 2000 e 2002. Infelizmente soube da sua morte faz alguns anos.
Contei essa história para ela e mais outras lendas interessantes do caminho. Gosto de compartilhar tudo que estudei e aprendi sobre o caminho, principalmente com pessoas de língua completamente diferente, pois acabam deixando de conhecer várias coisas sobre essa rota tão especial.
Quando falávamos sobre as razões de se fazer o caminho, após uma curva ela solta uma frase de espanto. Olho para frente e vejo uma pequena baía, era um espetáculo, havíamos chegado ao mar. A sensação é indescritível. Os dois ficam meio abobalhados. Penso que durante todo o dia tudo estava escondido pela neblina, não podia se ver nada.
Quase como quando alguém te venda os olhos pare depois retirá-la e mostrar um presente.
Ela pega um cigarro e pára para fumar sentada numa pedra apreciando a vista. Eu fico meio sem saber o que fazer e decido respeitar a sua privacidade e me sento mais adiante para também contemplar a paisagem.
Me vem uma certa inspiração para escrever algo no momento, pego o meu diário:

’12:10,
E de repente tudo ficou claro.
A névoa tinha saído e a visão do mar chegou como um presente maravilhoso.
Eu não estava só.
Agradeço a Deus e ao Caminho o presente.’

A cidade na baía era Cee. Seguimos até alcançá-la e entramos num bar para um café.
Ela fuma outro cigarro e atualiza o seu diário e me comenta que está muito feliz.
Me pergunta o que eu vou fazer e digo que seguiria até Finisterre, e ela me disse que seguiria para lá também.
Caminhamos pela cidade até chegar um mercado ao ar livre. Com tanta confusão perdemos os sinais do caminho. Pergunto a uma pessoa e esta me indica o rumo. Lizzy pergunta do albergue de Cee.
Então ela me diz que havia decidido ficar na cidade. Sinto uma pequena frustração, pois não queria me separar e continuar sozinho, mas por outro lado sabia que se parasse ali teria que deixar Finisterre pela metade. Então nos separamos e ela tomou a iniciativa de despedir com um abraço carinhoso.
Me agradeceu a companhia e eu disse a ela que tinha sido um presente para mim estarmos juntos num pedaço tão bonito do caminho, principalmente quando havíamos visto o mar após a neblina.
Nos abraçamos novamente e dessa vez cada um seguiu o seu caminho.
Sinto um pequeno aperto no coração e fico ainda mais frustrado com o caminho primitivo. Em poucos dias no caminho francês já tinha conhecido mais gente e pessoas ‘alteradas’ por ele. Não saberia explicar o que seria essa alteração, é uma coisa que sinto, uma percepção que tenho ao olhar nos olhos dos peregrinos.
Sei que agora serão somente recordações.
Continuo e encontro uma senhora austríaca que estava fazendo o caminho, alternando caminhada e ônibus. Converso um pouco e sigo.
Cee é muito bonitinha, após a orla tenho que desviar à direita e pegar uma subida, começa a chover.
Vou sair do outro lado da montanha, pegado ao mar, em teoria ainda me faltavam uns 12 km.
Passo por pequenos vilarejos de praia. A sinalização não é perfeita. A chuva aperta.
Estou cansado e paro um pouco, ainda restam 9 km. Aproveito para comer a última coisa que tinha: uma laranja.
Espero a chuva passar um pouco e sigo por autopista. Quando o caminho melhora, ou seja, é uma trilha, começa a chover copiosamente. E tinha passado apenas 1 km... E assim vou chegando a Finisterre, entre bonitas praias e muito molhado.
Os últimos quilômetros foram realmente duros, pois a chuva era muito forte, as botas completamente encharcadas e claro, depois de quase 35 km eu posso dizer que estava bem cansado.





No alto, completamente encharcado na chegada a Finisterre
Embaixo, Finisterre

Finalmente chego, eram umas 5 da tarde. No albergue um senhor tentava conseguir a Finisterrana (o certificado de ter percorrido o caminho até Finisterre), mas como faltavam selos a hospitalera não cedeu. Ela até me perguntou se eu havia visto aquele senhor pelo caminho e eu disse a verdade, ou seja, que não.
Mas no final chegaram outros peregrinos atrás de mim que acabaram dizendo que o haviam visto e ela deu o certificado para ele.
Pego o meu, pois era o próximo da fila. A missão estava quase completada, faltava apenas chegar ao farol e ao famoso cabo do Fim do Mundo.
O albergue tem lugar, mas decido ir a uma pensão, pois estava muito molhado e já tinha visto que o quarto ali era um aglomerado de beliches sem espaço nenhum. Ficaria complicado secar e organizar as minhas coisas para o dia seguinte. Além do mais precisava de um pouco de sossego para descansar.
Entro no hostal Mariquito, pago 25 euros por um quarto simples. Uma garota completamente vesga me atende.
Finalmente saio para o farol, sigo por pontos na cidade que me fazem lembrar de 10 anos atrás.
São quase 3 km de caminhada. Passo numa pequena igreja medieval (século XII) muito bonita. Mas para o farol ainda tinha bastante chão.
Um vento fortíssimo e uma chuva fina me impediram de caminhar tranquilamente.





Fotografo a paisagem e finalmente chego ao farol, sinto uma sensação boa apesar da tempestade. Me abrigo em um ponto, esperando a coisa melhorar.
Certamente será impossível queimar alguma coisa (o ritual diz que no farol se deve queimar uma peça de roupa ou algo usado no caminho como símbolo de deixar as coisas ruins para trás).
Chego até a ponta, onde tem o promontório com uma vista fabulosa e uma armação de ferro onde os peregrinos deixam suas coisas usadas.






O vento está muito forte e peço a dois estrangeiros para fazer uma foto minha.
Vou ao bar do farol para tomar um café e um chupito (em geral um licor ou aguardente) para esquentar um pouco.
Não tenho vontade de ir embora. Fico ali até umas 10 da noite, o limite de claridade. O tempo melhora e consigo fazer fotos melhores.






Ao alto, Cabo Finisterre
Abaixo, Chegada no ponto onde os peregrinos abandonam roupas velhas

Volto mais rapidamente, pois o caminho é longo.
Janto e reflito um pouco sobre tudo que tinha acontecido.
Vou dormir, pois no dia seguinte viajava a Madrid para reencontrar velhos amigos do caminho de 1999: Ramon y Paz, e quem sabe, Jose.
Estava terminado o meu quarto caminho de Santiago.

Outras fotos da Etapa Olveiroa Finisterre

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