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Sunday, February 7, 2010

Etapa 13: Arca - Santiago de Compostela 20 km

04/06






A madrugada não começa muito bem, ao me deitar sinto dor de garganta e congestionamento nasal.
No albergue havia roncadores de primeira categoria!
Coloco os fones de ouvido para escutar música e ver se consigo dormir melhor.
Apenas pego no sono e acordo com um monte de peregrinos fazendo barulho (incluindo a moça que estava na parte superior do meu beliche).
Dou uma olhada no relógio e para minha perplexidade são apenas 1:45 da manhã. Fico indignado, para não dizer irritadíssimo.
Abrem as portas, deixam a luz entrar...
Não é possível, começo a pensar no que essa gente tem na cabeça. É certo que cada um tem seus horários e problemas, mas a falta de respeito com relação ao próximo é que me deixa decepcionado e pensando no que foi feito do caminho.
É claro que cada um tem o seu caminho e temos a nossa dose de tolerância, mas è impossível ficar indiferente a esse tipo de atitude.
Finalmente saem e consigo dormir um pouco após tomar um antigripal.
Mas não tenho muito mais tempo de sossego. Como sempre tem os ‘xaropes’ que acordam lá pelas cinco, cinco e meia da manhã. Fico na cama até umas 6:15 e sou um dos últimos a sair. O casal italiano já tinha saído.
Saio, tomo um café e procuro por eles, mas não encontro mais ninguém. Sinto um frio na espinha, um temor, pois chegar a Santiago sozinho seria muito triste.
Vejo as duas moças alemãs (as mesmas do spaghetti) e me animo um pouco, quem sabe uma companhia, mas não parecem muito a fim de caminharem acompanhadas.
Inicio a caminhar com uma vontade e força incrível. Talvez para alcançar os italianos, as alemãs, ou não...
Finalmente encontro as alemãs paradas, comendo frutas. A morena retribui o meu sorriso, mas acabo não parando. Estou completamente suado de ter praticamente corrido.
Continuo...
Noto que estou numa velocidade absurda, talvez uns 5,5 km/h...
Não faz calor e diminuo a marcha, me arrependo de não ter parado para conversar com as alemãs e arranjar companhia.
Paro para tomar um café e quando estou indo embora, depois de ficar uma meia hora ali, elas chegam... Dou um sorriso, como que para dizer um oi, elas retribuem, mas visto que eu já estava partindo, acabo seguindo em frente.
Mais adiante encontro o casal italiano, fico contente, pois afinal era quase como o meu grupo.
Seguimos juntos até o Monte Del Gozo. Fico contente, o Tommaso me diz que gostou do caminho, acho que ele captou o espírito da coisa.





Monte del Gozo

No alto, Capilla de San Marcos e monumento
Embaixo à direita, albergue de peregrinos
Chegamos bem cansados por ali e notei que a minha corrida matinal havia me dado um presente: uma bolha, quem mandou ser apressado...
Continuamos juntos até Santiago de Compostela. Tommaso está estafado, sua mochila não é das melhores e estava bastante pesada.
São 12:30 e percebo que não chegaremos para a missa do peregrino... E de fato não chegamos.
Entramos na praça do Obradoiro de mãos dadas, mas não sei, não tenho a mesma sensação forte que das outras vezes. Não sei, das duas uma, ou o caminho não tinha sido realmente forte ou eu que não havia sintonizado bastante com ele.
Na praça tomo a iniciativa dos cumprimentos e abraços pela chegada. Mas não sinto nenhuma emoção extra.
Explico para eles que tem uma tradição de fazer fotos sem as botas no marco ‘zero’ da praça. Se é uma tradição não sei exatamente, mas tomei como regra desde que o meu caro amigo Jose havia me ensinado no caminho de 1999. De qualquer forma, chegar apenas em três me deu a sensação de que o caminho havia sido mesmo solitário.




No alto à esquerda, eu Tommaso e Fabiana

Abaixo, marco zero na praça do Obradoiro e pórtico da Gloria (catedral)
Tanto que não encontramos mais ninguém dos dias que havíamos caminhado.
Encontramos com um francês do caminho primitivo e ele contou que tinha feito um caminho estranho, não entendi bem, mas também não nos detivemos muito para saber os motivos.
Entro na catedral, o pórtico da Gloria está em restauro e assim não era possível tocá-lo e dar as três ‘testadas’ tradicionais. Triste...
Desço na cripta, um guia entra falando alto... Subo de novo e me dirijo para o abraço ao Santo (estátua toda em ouro e cravejada de pedras que fica logo atrás do altar). Não sei, sinto tudo muito estranho.
Saio e vou à secretaria para selar a credencial e pegar a minha terceira Compostelana. Tem uma fila digna de INPS brasileiro.
O casal italiano estava por lá. De repente aparece o francês que eu tinha encontrado cheirando as rosas do caminho (ver etapa 12). Ele me reconhece e começa a conversar.
Tenho a impressão que é um tipo solitário e que sou um dos únicos que falou com ele. Ele me conta que iniciou o caminho em St Jean Pied de Port (ponto de partida tradicional que fica nos Pirineus e é a primeira cidade antes de Roncesvalles) e chama-se Nicolas.
Noto nele o efeito do caminho, uma pessoa que ficou fora do mundo ‘real’, quase que como hipnotizado e não compreendendo onde estava.
Sei bem como é a sensação, afinal no meu primeiro caminho demorei uns meses para voltar ao ‘normal’, pois não conseguia entender porque o mundo era assim cheio de ‘complicações’. Guerras, pessoas que somente pensam em dinheiro e carreira, violência gratuita, egoísmo, falta de compreensão e tolerância...
Depois converso com dois senhores idosos espanhóis que estavam na fila. Como sempre sou falador.
Eles se maravilham com o nível do meu espanhol. Fico na fila por mais de meia hora.
Saio e vou procurar uma pensão para passar a noite. Os locais indicados pelo albergue de Arca estavam todos cheios.
Retorno à praça do Obradoiro. Ali encontro um senhor fumando charuto que oferecia um quarto por 25 euros, sem banho. Ele não me parecia muito confiável, mas era próximo à catedral e o valor estava razoável. Aceito, pois estava cansado e não tinha muita vontade de seguir procurando outras coisas, até porque o albergue de peregrinos em Santiago fica bem distante do centro.







Ao alto, pórtico da Gloria e catedral
Abaixo à direita, Porta Santa (abera somente em anos santos)

Entro no quarto, que não é ruim. Trato da bolha, dói bastante, pois estava numa posição chata.
Tenho sono e nem almocei. São 4 da tarde, mas saio, senão...
Vago por Santiago, ‘caço’ peregrinos, um pouco como fazia meu amigo Jose. Em vão, pois não encontro os italianos, nem as alemãs, enfim, ninguém que tinha conhecido pela estrada. Triste solidão.
Começa uma chuva de ‘verão’ e entro na catedral para me proteger e porque tinha também uma informação privilegiada. Na minha chegada à catedral havia escutado uma mulher conversando com o funcionário que vigiava o pórtico da Gloria. E ela estava tentando ‘suborná-lo’ para saber se a missa das 6 haveria o famoso Botafumeiro (incensário de 1,60m e com 80kg). E por minha sorte escuto que sim.
Assisto a missa, que tinha um coro de Córdoba, e no final o espetáculo do Botafumeiro, onde 8 homens começam a puxar uma grossa corda para que o incensário comece uma trajetória de pêndulo pela catedral, alcançando cerca de 21 mt, espalhando fumaça e incenso pela igreja.
Saio da missa e retorno à pensão para pegar um agasalho, pois fazia frio.
Vago pela cidade sem direção, na esperança de encontrar alguém conhecido, mas nada.




Botafumeiro

Paro num bar para comer algo.
Ligo para o Andres (amigo caminero de 1999, que mora em Vigo). Muito legal falar com ele, mas infelizmente não poderia encontrá-lo, pois os meus planos eram seguir para Finisterre.
Continuo com a sensação que tinha faltado algo.
Entro num restaurante e peço pulpo a galega com pimientos de Padrón. O polvo como sempre estava bom.
Termino e continuo a vagar sem direção. Paro para admirar a catedral, que agora estava com iluminação noturna. É sempre sugestiva.
Para não dizer que não encontrei ninguém, parei para falar com dois casais de italianos que tinha conhecido no albergue de Arca.
Me deparo mais de uma vez com um grupo de jovens que escutavam seu guia, explicando sobre a história do caminho de Santiago.
Sem mais o que fazer volto para a pensão e como ficava no andar de cima de um bar, tomo um orujo antes de ir dormir.







Outras fotos Etapa 13: Arca - Santiago

Thursday, February 4, 2010

Etapa 12: Melide – Arca 31 kms

03/06








Dormi bem e acordei cedo.
É a primeira vez que consigo sair antes das 8 horas: 7:15.
O dia está com neblina, ótimo para caminhar, mais fresco.
Começo com uma vontade fora do comum. Será porque estou no caminho Francês?
Uma coisa é certa, já trombei com muito mais peregrinos do que qualquer outro dia do caminho primitivo.
Isso me deu muito mais ânimo. O caminho foi legal, mas tenho a sensação de que faltou algo. Continuo a caminhar com vontade. Paro para tomar um café com leite, que me dá uma bela força.
Passo numa fonte na saída de Melide e me lembro dela de algum outro caminho.



Chego a Ribadiso de Baixo, lugar especial de outros caminhos (principalmente o de 1999) e que continua com o seu fascínio. Pena estar somente de passagem, o local está vazio, pois é bem cedo.
Faço fotos... Recordações de 1999: foi ali que eu e mais outros peregrinos reencontramos o resto do grupo, que havia se separado e nós, depois de um esforço incrível (3 ou 4 etapas seguidas de mais de 30 kms) alcançamos a turma para poder chegar juntos em Santiago.
Sigo, o dia fica nublado, ótimo. Muitos peregrinos.



Ribadiso de Baixo

Encontro Tommaso e Fabiana (o casal italiano). Caminhamos e almoçamos juntos. Peregrinos passam enquanto comemos.
Caminho mais veloz. Paramos para um café e como de costume matraqueio com o pessoal do bar.
Os italianos seguem. Eu continuo no bar e compro uma concha.
Sigo com uma força que nem me reconheço. Quero caminhar o mais rápido que posso.










Vejo um peregrino parado cheirando uma rosa. Tenho a impressão que tem pelo menos a minha idade.
Enquanto passava perto dele, me faz um sinal para parar e sentir o cheiro da flor. Percebo que é francês. E não sei, vejo que ele está com um olhar distante, como que alterado pelo caminho. Não sei se é somente uma impressão minha ou se é realmente o caminho francês que é mesmo diferente. De qualquer forma me senti mal por estar caminhando tão rápido e perder detalhes como o perfume das rosas.
Converso com outros peregrinos. Lembro-me dos pinhais daquela região.
Passo pelo marco onde tem uma placa em homenagem a um peregrino que morreu pelo caminho em 93, Guillermo Watt, ali também tem a copia em bronze das suas botas. Lembrei-me que o meu amigo Jose (de 99) tinha comentado comigo que o tinha visto cair bem à sua frente.











Placa em homenagem a
peregrino morto no caminho

Chego finalmente em Arca, o albergue está cheio. Reencontro os italianos, que me convidam para jantar. Aceito e compro a sobremesa em um lugar perto dali.
O albergue tem lavadora e secadora, um luxo e aproveito a ocasião. Na cozinha encontro duas bonitas alemãs que tentavam cozinhar spaghetti, mas muito sem jeito. Fabiana se mete e fala para elas que está tudo errado, pois metade da pasta estava fora da panela (não ia cozinhar nunca!) e coloca o resto para dentro. Fico um pouco ali, mas elas não parecem interessadas em conversar.
O jantar foi bem família.
Sinto a falta de ter feito o caminho Francês. Mas paciência, cada caminho é uma experiência válida.
Amanhã 20 kms me separam de Santiago, que sensação terei quando chegar?




Outras fotos Melide - Arca